Introdução à linguística do caso BES

Só por má vontade pode pensar-se que Cavaco Silva estaria a falar do BES

Ainda estamos à espera que o Presidente fale do BPN


O caso BES deixou de ser apenas um problema de finanças para passar a ser também um problema de semântica.

Ricardo Salgado disse que se encontrou com Cavaco Silva duas vezes, e que o alertou para os "riscos sistémicos" do BES.

Tendo isto acontecido em Maio, algumas pessoas estranharam que, em Julho, o Presidente tenha feito declarações sobre o BES apelando à confiança dos portugueses no banco.

Essas pessoas não têm razão para estar intrigadas, porque, de acordo com Cavaco Silva, a declaração que ele fez sobre o BES não era uma declaração sobre o BES.

É aqui que precisamos de ajuda técnica.

Que requisitos deve preencher uma declaração para que se possa dizer dela, com propriedade e segurança, que se trata de uma declaração sobre o BES?

Estudemos a frase de Cavaco sobre o BES que não era, afinal, sobre o BES:

"O Banco de Portugal tem sido peremptório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo."

Segundo o Presidente, esta declaração sobre o BES é uma afirmação acerca do Banco de Portugal.

Não está ali, diz ele, nem uma palavra sobre o BES. Se os rumores que geraram as perguntas dos jornalistas fossem de outro tipo, e o Chefe de Estado tivesse pretendido igualmente invocar o Banco de Portugal como garantia de credibilidade, Cavaco poderia ter dito, por exemplo:

"O Banco de Portugal tem sido peremptório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar na fada dos dentes." 

Nessa altura, ninguém poderia dizer:

"Ouve lá, o Cavaco deve estar maluco. Ouviste aquelas declarações dele sobre a fada dos dentes?"

A razão pela qual isso não seria admissível é simples: aquelas declarações sobre a fada dos dentes são, isso sim, uma afirmação acerca do Banco de Portugal.

Se, dois meses antes de terem sido proferidas estas declarações imaginárias, a fada dos dentes tivesse requerido uma audiência ao Presidente para lhe revelar que era, na verdade, um sujeito do Montijo chamado Alfredo, o Presidente continuaria a ter toda a legitimidade para fazer aquela afirmação, na medida em que ela se refere apenas ao Banco de Portugal.

Só por má vontade pode pensar-se que Cavaco Silva estaria a falar do BES.

Ainda estamos à espera que o Presidente fale do BPN, do modo como eram negociadas acções não cotadas na bolsa e do papel de um conselheiro de Estado e de antigos membros do seu Governo na gigantesca burla.

Antes de se pronunciar sobre isso, é evidente que não faria sentido que Cavaco falasse do BES.

Às vezes, as pessoas desejam apenas provocar por provocar.


Ricardo Araújo Pereira, Crónica publicada na VISÃO 1144, de 5 de fevereiro

publicado primeiro aqui:http://visao.sapo.pt/introducao-a-linguistica-do-caso-bes=f809926_______________________________________________

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