O ASSALTO

O caso Sócrates apelou à minha imaginação simbólica.
Sócrates é um símbolo. Um símbolo de uma “nova gente” na vida política.
Sócrates é o mais desembaraçado e impetuoso aventureiro da nova casta de aventureiros políticos.

Sócrates é a última figura de proa da renovação do pessoal político nacional começada nos idos de 80 com o florir da gesta dos habilidosos, dos jovens leões ávidos de imagem, ávidos de fortuna.

Sócrates é a mais recente vergôntea de uma classe de borra-botas sem pergaminho político, de baixa estatura cultural e intelectual, transversal à esquerda e à direita, que se deu ao desplante de assaltar as atmosferas rarefeitas das elites, aproveitando a decadência das aristocracias institucionais e fundacionais da democracia, dos Soares, dos Cunhal, dos Sá Carneiro, dos Freitas do Amaral e de toda a gente de outra cepa que os acompanhou.


A física tem horror ao vácuo, não é? O apagamento político das figuras que nos habituámos a considerar éticas (não obstante tudo, e na medida do possível em política) deixou espaço vasto aos que na vida política não vislumbraram exactamente uma oportunidade moral de acção em favor do colectivo; a queda dos senhores deixou espaço aos plebeus sem contas a dar à História que assaltaram o poder a pensar primeiro no proveito próprio.

Sem fazer comparações descabidas – e muito menos falando de atropelos à legalidade – diria que foi Cavaco Silva quem historicamente lhes abriu a porta. 


Sim, aos recém-chegados sem títulos de nobreza na alta política, e por consequência à abrupta queda de qualidade do pessoal político.

Foi Cavaco Silva quando foi dar uma volta até à Figueira da Foz para rodar o seu novo Renault – podia ser um Jaguar, ou um Mercedes, mas o estatuto social e financeiro não subia a tanto.

E mesmo ele, recém-chegado, já tinha sorvido das aragens mais finas pela mão de um dos últimos grandes senhores, Francisco Sá Carneiro, que o teve num governo seu como ministro das Finanças.

A partir da entronização de Cavaco Silva foi o assalto dos plebeus ao poder, àquele poder que consiste em outorgar benesses para ser remunerado mais tarde ou mais cedo por essa outorga. (Vidé, entre outras, as personagens da tragédia do BPN).
Esperteza e aventureirismo. Capacidade de truque – que outros também conheciam mas que tiveram a decência de não aplicar. Subalternização da ética e da cultura. Um á-vontade de iconoclastas de reles escalão. Deserto de ideias. Boçalidade de discurso.

Milhões a entrar todos os dias vindos de Bruxelas. Aproveitamento máximo das oportunidades lucrativas. Pragmatismo irredutível. Visão estreita. Anseios de ascensão social (“pai, sou ministro!”). Frequência da margem das legalidades. 

Desprezo pelo interesse público. Ambição de baixo teor intelectual.
Privilégio da prosperidade pessoal e do culto da personalidade.


Sócrates, inocente ou culpado que seja, foi mais um que descobriu o Estado como o grande filão do enriquecimento pessoal – fala-se de malas com milhares e milhões de Lisboa até ao 16eme. arrondissementparisiense, de fraude fiscal qualificada, de lavagem de capitais, de corrupção, não é brinquedo.

Não sei se é verdade ou mentira. Bem, alguma verdade deve haver, o problema é saber como cresceram no fundo da gaveta os milhares e os milhões só com o salário (e com a reforma e com a subvenção vitalícia) de primeiro-ministro.

Nem sei se, sendo verdade, e tendo sido conseguido com truques menos limpos, alguma vez ele chegará a pagar por isso à comunidade. Quero crer que não – ainda que seja verdade.

Mas também porque havia de ser ele o primeiro a pagar se outros, tantos, ainda não pagaram e se duvida muito que algum dia cheguem a pagar?

Pobre Sócrates. Alguém o protegeu anos e anos. Alguém lhe tirou o tapete. Quem. Quando. Como. Onde.

E porquê.

Na segunda-feira passada, 21 de Novembro de 2014.Eles. Porquê também eu gostava de saber. E nunca saberei.

Deve andar tudo doido lá pelas maçonarias…